Em média, ninguém está na média

Cresci com a minha mãe repetindo a frase “quem está na média é medíocre”. Muito do que me propus a fazer na vida está ligado a ficar acima dessa média, mas também muito do que eu sofri também está ligado a não conseguir nem chegar perto dela. Nota no colégio, peso ideal, colocação na faculdade, idade pra sair de casa, casar, ter filhos. Tudo isso está relacionado a média, um número bem mais aleatório do que parece. Vou contar uma historinha pra vocês!

A ideia de se ter uma média para as coisas foi criada para ser usada na astronomia lá em 1830. Como a tecnologia dos telescópios não era lá das melhores, eles calculavam várias vezes e tiravam uma média dessas medidas pra chegar em um valor aproximado.

Aí que o astrônomo Adolphe Quetelet achou essa história de média genial e decidiu aplicar para a pessoas também. Ele saiu medindo vários soldados escoceses, anotou suas medidas e tirou a média, criando o que ele considerava ~o soldado ideal~. Só que ele ficou meio obcecado com isso e saiu fazendo a média de tudo que via pela frente. Estatísticas de casamentos, assassinatos, suicídios. Hoje é normal a gente pensar em índices como taxa de mortalidade, PIB, expectativa de vida, consumo de hamburguer por pessoa ou até média do tamanho do pênis por país. Antes dessa obsessão do astrônomo, não existia nada disso. Então era uma forma de pensar o mundo bem revolucionária.

Tão revolucionária que o Quetelet virou quase que uma celebridade e suas ideias foram usadas por todo mundo, de Marx a Lincoln. Na época da Guerra Civil Americana, quando os Estados Unidos precisavam de muitos soldados novos, adivinha quem foi lembrado? Lincoln mandou tirar a média de uma porrada de soldados, tanto fisicamente, como mentalmente. Com esses novos números eles criaram várias coisas, como as armas – qual a medida do dedo para criarmos o gatilho? – e os uniformes de exército, que antes eram feitos um por um de acordo com as medidas individuais de cada um. Como também seria forçar demais a barra criar uma só medida de roupa para todos os soldados, Lincoln criou três medidas: pequena, média e grande. Foi assim que surgiram os tamanhos P, M e G das roupas que conhecemos até hoje. Bizarro, né?

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No começo do século XX tudo era a tal da média. Ela funcionava muito bem com a industrialização e quase tudo era criado com base nas medidas tiradas dos soldados americanos. Da mala de viagem ao banco do carro, da altura das casas ao controle dos aviões. Tudo vinha em um tamanho padrão, o mágico tamanho da média. Tudo lindo. Aí chegou a II Guerra Mundial, quando os aviões eram tão importantes para o exército que definiam quem ganhava e quem perdia uma guerra. Mesmo com a tecnologia sempre melhorando, o número de acidentes aéreos naquele período era gigantesco.

Culparam os pilotos, culparam a tecnologia, culparam até os controladores de vôo. Pesquisaram um monte e tentaram de tudo para melhorar o desempenho – e a expectativa de vida – dos pilotos. Foi aí que descobriram: eles compararam o tamanho de 4 mil soldados com 10 médias que estavam utilizando para criar os aviões e nenhum, nenhumzinho, deles tinha essas mesmas medidas. Foi aí que eles sacaram: quando algo é criado para a média, não é criado para ninguém.

Em um avião de guerra, é uma questão de vida ou morte ter acesso fácil a todos os controles do painel. Isso não era possível se seu braço fosse um pouco mais curto que a média. Ou sua perna um pouco mais longa. Para resolver isso, eles tiveram uma ideia incrível: bancos e painéis reguláveis. Ao invés de criarem para a média, criaram para as pontas – do menor ao maior – com uma forma de você regular em qual delas se encaixa melhor. Tecnologia que está até hoje no teu carro. Imagina ter que dirigir sem poder regular o banco?

O mundo criado em cima de uma média, que pega pessoas com medidas totalmente diferentes e a força a se encaixarem em um único padrão no meio delas é um mundo que dificulta muito a aceitação e evolução.

Deixar que cada um se adapte a sua forma foi essencial para que a aeronáutica fosse mais inclusiva. Foi essa mudança que permitiu que qualquer pessoa – homem ou mulher – de qualquer tamanho, pudesse virar um ótimo piloto.

Um mundo mais flexível, que entende que existem pessoas com medidas, habilidades e inteligências diferentes, facilita que qualquer um encontre o seu ponto de evolução. É um mundo com muito mais oportunidades. Prra todo mundo.

Agora pensa em quando você estava na escola.

Todos aprendiam as mesmas coisas, faziam os mesmos exercícios e eram avaliados pelas mesmas provas. Culpam os alunos, culpam os professores, culpam até os pais. Mas, até hoje os livros escolares são feitos para o aluno médio. Não levam em conta que cada um é diferente de outro, que existem alunos que precisam de mais desafios e outros que precisam de mais incentivo.

Mesmo agora, no século XXI, com ferramentas que permitem você sair da média rapidinho, com raras excessões, a educação ainda não é flexível. A média destrói talentos. A média destrói potenciais.

Quantas coisas na nossa vida não são reguladas por uma média? Se você está abaixo dela, é taxado de burro e incompetente. Se está acima, você pode jurar que é mais especial do que realmente é.

Seu trabalho, seu corpo, sua idade e até seu lazer, são todos guiados por esse mito da média. Por que você não pode surfar com 60 anos? Por que dizem que é feio um casal que a mulher é mais alta que o homem? Por que você tem que casar, ter filhos, uma casa e um carro? Por que você tem que ler X livros por ano? Por que o cara que sabe mais Física é considerado mais inteligente que o cara que desenha muito bem? Porque a gente vive pensando na média, no que os outros fazem, como os outros se comportam e passamos a vida toda tentando nos encaixar nessas médias bizarras.

O tempo todo as pessoas vão tentar te deixar na média ou usar essa média para falar de superação, mas temos que lembrar que eu, você e todo mundo são seres humanos únicos, em todas as nossas dimensões. Deveríamos estar mais preocupados em aproveitar o potencial individual de cada um, não a se adaptar ao que é a média. Nós precisamos começar a pensar, finalmente, em criar assentos ajustáveis para todas categorias da nossa vida.


Criei esse texto depois de ouvir o episódio On Average do podcast 99% Invisible e essa palestra do TED sobre o Mito da Média. Recomendo muito os dois se você se interessa sobre o assunto.

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