10 coisas que descobri sobre a Alemanha Oriental

Na semana passada fomos no DDR Museum, um museu interativo muito legal sobre a vida de quem vivia no lado socialista alemão, a Alemanha Oriental. O Deutsche Demokratische Republic (DDR) é conhecido em português como RDA, República Democrática da Alemanha, que foi o nome dado para essa parte do país. Para entender melhor a separação de Berlim, primeiro um resuminho rápido do que aconteceu por esses lados alguns anos atrás.

Quando a Alemanha perdeu a guerra, o país todo foi dividido entre os aliados que venceram o nazismo: Estados Unidos, Inglaterra, França e Rússia. Berlim, sendo a capital desde aquela época, também foi dividida internamente. Só que a Rússia, socialista, tinha objetivos bem diferentes dos outros aliados para sua parte da Alemanha, implantando oficialmente o socialismo em 1949. Com isso, os outros três aliados se juntaram para impedir que qualquer influência soviética chegasse ao lado ocidental, chamando essa parte “normal” da Alemanha de RFA, República Federal da Alemanha, que se manteve capitalista.

Só que em 1954, depois da morte de Stalin, rolou a Revolta de 1953 na Alemanha Oriental, que teve uma repressão absurda pelas tropas soviéticas usando até tanques de guerra. Isso fez com que três milhões de pessoas que viviam na parte oriental fugissem para o lado ocidental. Vendo esse processo acontecer e acompanhando toda a insatisfação de quem era do lado socialista da Alemanha, a União Soviética começou a limitar ainda mais os movimentos de quem vivia ali dentro. Depois de alguns anos, em 1961, eles criaram quase da noite para o dia o Muro de Berlim, reforçando a separação da cidade.

Leia também: Como transferir dinheiro para a Alemanha pagando pouco!

E esse museu trata exatamente de como vivia o povo na Alemanha Socialista comandada pela Rússia, que só foi unificada ao resto do país em 89. Ele foi montado, basicamente, com várias doações de quem viveu o socialismo por tantos anos. É um assunto pesado, mas o mais legal desse museu é que ele é todo interativo: você abre as gavetas, pode pegar nas peças de roupa, nos brinquedos, ouvir as rádios, assistir aos programas de TV, falar ao telefone, sentar na sala de estar de uma casa com padrão soviético, ver os produtos de beleza, cozinha, jornais, maquiagens, dirigir o carro da época num simulador dentro de um carro de verdade e várias outras coisas que fazem você se sentir entrando na vida das pessoas ali. Além de tudo, eles também explicam de uma forma bem bacana como era a vida na Alemanha Oriental, e foi assim que aprendemos um monte. Tem jeito mais legal de entender história? Essa é uma seleção de 10 coisas interessantes que aprendi lá dentro:

Eles tinham dinheiro sobrando

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Quando pensamos num regime socialista, dificilmente lembramos do dinheiro que o povo recebia. Mesmo sendo um dinheiro próprio que só valia ali dentro, ainda era dinheiro. Só que o valor recebido por todo mundo era muito mais do que o suficiente para comprar o necessário, e acabava sobrando bastante porque a variedade nas compras era mínima. Em um mundo normal, os preços subiriam por causa da inflação e isso seria controlado, mas não na DDR. Um dos pilares políticos da Alemanha Oriental era que uma economia boa era sinônimo de uma economia estável, sem inflação. Então todo mundo tinha dinheiro sobrando e nada pra fazer com ele.

Ao longo dos anos, a solução que eles criaram foi de montar lojas especiais, que vendiam produtos mais luxuosos a preços ridiculamente altos, só para gastar mesmo. As lojas chamadas de Exquisit, que vendiam roupas, sapatos e cosméticos importados abriu em 1962. Em 1976 começaram a abrir as chamadas Delikat, que vendiam comidas diferentes por preços também absurdos. As pessoas reclamavam dos valores, mas ainda iam até essas lojas para comprar salsichas diferentes, cafés cremosos e até um tipo de Toddynho, chamado Trinkfix, que era super famoso. Era o que tinha.

Existia um mercado negro de produtos do outro lado do muro

Sendo assim, ninguém passava fome ou gastava tudo que tinha para sobreviver na Alemanha Oriental, então eles só sentiam falta de variedades mesmo. Essa homogeneidade de que todo mundo tinha praticamente tudo igual só gerava mais ansiedade nas pessoas para encontrar itens únicos e exclusivos e se diferenciar da maioria. Por causa disso, o governo começou a importar alguns produtos da Alemanha Ocidental para as Delikat e as Exquisit, e lá estavam os alemães esperando na fila para comprar novidades pagando extremamente caro por elas.

Para muita gente isso ainda não satisfazia nada, e assim rolavam compras por debaixo dos panos só para amigos próximos ou quem tinha algo interessante para trocar. O esquema era relativamente fácil, já que muitos ocidentais podiam passar pela parte socialista atravessando as divisões só fazendo uma revista simples e apresentando o passaporte, mas mesmo assim a fiscalização caia em cima de qualquer um com algo dos ~porcos capitalistas~.

Eles espionavam pessoas que gostavam de blues, rock e pop

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Na DDR, qualquer produção criativa precisava ser aprovada e autorizada a reprodução. Qualquer coisa que o governo socialista não fosse de acordo era boicotada. Eles até trouxeram alguns discos de bandas ocidentais, como os Beatles, para o outro lado do muro, mas era tudo muito precário. Como aconteceu com quase tudo, a DDR copiou algumas músicas e criava suas próprias versões para veicular na Alemanha Oriental, mas era tudo bem tosco e só estimulava ainda mais o mercado negro dos discos de vinil contrabandeados pelo outro lado do muro.

Já nos últimos anos da União Soviética na Alemanha, entre 1979 e 1986, centenas de jovens começaram a se juntar para ouvir blues, rock e música pop em igrejas pelas muitas das rádios que conseguiam sintonizar do lado ocidental. As autoridades começaram a chamar esses grupos de “jovens negativos”, instruíram o Ministério de Segurança do Estado a fotografar e filmar o rosto de todos eles e mantê-los sob vigilância, já que poderiam ser ~uma ameaça para o equilíbrio da nação~. As fotos dessa espionagem eram tiradas em câmeras construídas dentro de maletas, para não dar pistas do que eles estavam fazendo.

Até existiam cinemas, mas…

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Em Berlim, foi criado um cinema com a melhor tecnologia disponível da Alemanha. Os soviéticos usaram muitos filmes para mudar a cabeça dos alemães em questões sobre o nazismo logo após a guerra. O DEFA, uma produtora criada na zona soviética, lançou vários filmes sobre o tema que faziam bastante sucesso. Só que quando a divisão socialista foi definitivamente aplicada, em 1949, a história mudou.

O DEFA seguiu a linha do comunismo de Stalin e a cada dia os temas de filmes iam secando mais, porque eles não queriam falar de vários assuntos e tentavam fugir ao máximo de qualquer coisa relacionada ao capitalismo. As histórias eram limitadas a temas como “redistribuição de terra” ou planos para o futuro socialista da Alemanha. Imagina que demais sair sexta a noite pra ver um desses? O controle foi tão pesado que os escritores pararam quase completamente de tentar contribuir com a indústria cinematográfica dali, o que resultou em pouquíssimos filmes – e entretenimento num geral, na verdade – para quem vivia na parte socialista alemã.

Muitas mulheres faziam suas próprias roupas

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Na Alemanha Ocidental, a moda era levada a sério. Ou quase isso. O Berlin Fashion Institute foi criado em 1952 e era de lá que saíam as “tendências” das roupas. Ainda ligada a pouca variedade, as roupas alemãs eram sempre bem padronizadas, exceto para quem poderia pagar mais. Os tecidos eram poucos e as lojas vendiam praticamente só as mesmas coisas para o povo comum. Com a vontade de se sentir diferente, as mulheres alemãs começaram a aprender a fazer suas próprias roupas e improvisar acessórios.

Uma coisa legal que eles falavam muito no museu é que a calça jeans, especialmente da Levi’s, era um símbolo do capitalismo ocidental, mas todo mundo sonhava com uma. Uma época o governo até comprou um monte de calças da marca para revender dentro da Alemanha Ocidental e o estoque esgotou super rápido. Depois disso, pra variar a DDA tentou copiar o estilo dos jeans da marca para continuarem vendendo, mas ninguém se interessava pelas “falsificadas”. Rolavam até umas importações ilegais de jeans do outro lado do muro.

Nós seríamos inimigos da sociedade

No DDR Museum eles tem um quiz pra você responder perguntas básicas sobre escolhas gerais e o resultado dizia como seria sua vida na Alemanha Oriental. Eram várias perguntas bem diferentes, como “Se sua avó traz uma calça de Levi’s do outro lado do muro e te dá de presente, o que você faz?” ou “Se seus amigos te convidam para ouvir rock, qual é a sua reação?”. O nosso teste, como imaginado, deu que somos um elemento anti social e inimigo da sociedade, e que precisávamos de disciplina para que nosso desenvolvimento não nos levasse a delinquentes ou inimigos da nação. Aí eles terminavam com uma ameaça sutil de “que bom que nós sabemos a melhor forma de como lidar com pessoas do seu tipo”. Fofos.

Eles tinham seu próprio Sílvio Santos

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Esse é um programa especial que passava só 6 vezes por ano na TV, o Ein Kessel Buntes, que tinha vários apresentadores famosos (e era tão super produzido que eles transmitiam até na Rússia e na Checoslováquia, u-a-u!). Pelo que o museu conta, ele foi criado para concorrer com o programas de sábado super famosos da Alemanha Ocidental. Não parece uma abertura do programa do Silvio Santos nos anos 80? Hahahah

Tudo era padronizado

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Quem assistiu “Adeus, Lenin!” com certeza reconheceu o estilo da casa na foto aí do topo do post que o Fê colocou no Instagram dele esses dias. Isso acontece porque quase todas as casas soviéticas, no início do período socialista, eram sempre construídas de forma parecida. A planta da casa era igual para todos, e a variedade de papeis de parede, sofás, mesas e móveis era mínima, deixando tudo bem padronizado. Depois de um tempo, como o povo tinha dinheiro sobrando, eles mudaram essa regra e começaram a adicionar cômodos e mudar a planta das casas para vender por preços mais altos a quem poderia pagar, mas boa parte das pessoas vivia nesse padrãozinho.

Eles queriam artistas críticos, mas não gostavam da crítica

Apesar de tudo que falamos aqui, a Alemanha Oriental tinha até um setor dedicado a criar arte para o povo. Eles convidaram artistas para falar sobre o “socialismo real”, vivendo no meio dos trabalhadores para conseguir refletir as vidas de pessoas comuns em pinturas, literatura e filmes, criando alguma coisa para entreter todo mundo que vivia ali. O governo queria que eles fossem artistas críticos, mas não conseguiam aceitar a realidade e odiavam o resultado final. Pra variar, tudo que o partido não gostava era proibido. Isso só fez com que os artistas, declaradamente comunistas, começassem a questionar o regime e se opor a toda a repressão. Mais um tiro que saiu pela culatra nessa história toda.

Eles tentaram criar uma dança socialista

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As músicas ocidentais eram super mal vistas pelo governo socialista da Alemanha Oriental. O rock’n’roll, tanto a música como a dança, que estavam se tornando famosíssimos lá nos anos 60, também entravam ilegalmente por cima dos muros. Para tentar conter esse estilo que eles abominavam tanto, tiveram uma ideia brilhante: criar suas próprias músicas e danças que ~combinavam melhor com a personalidade do jovem socialista~. Foram várias tentativas, e a mais famosa é o Lipsi, mas também tinha a Letkiss que mostramos no nosso Facebook. Ambas não fizeram sucesso algum e foram ignoradas pelos jovens que só queriam saber do Elvis. Acho que naquela época nenhum jovem não queria saber do Elvis, né? Caso vocês queiram aprender a dançar como um socialista, é só assistir ao vídeo e se preparar para não praticar com ninguém.

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A gente curtiu tanto o museu, ficou tanto tempo lendo – tem tudo escrito em inglês e alemão –, mexendo, abrindo, ouvindo, pegando, que acabou nem dando tempo de ver o museu inteiro, faltando a parte mais tensa das revoltas e violência. Só saímos de lá quando fomos praticamente expulsos pelo segurança. O ingresso custa 7 euros a inteira e vale muito, muito a pena.

É muito legal ver um museu em que você pode folhear livros antigos, carregar um ursinho de pelúcia que foi de alguma criança da Alemanha Oriental, abrir armários de operários socialistas com fotos de mulheres peladas, sentar no sofá da sala e ouvir uma ligação. Fora o simulador do carro e a sala de interrogação, em que você coloca os cotovelos na mesa, a mão nos ouvidos e consegue ouvir, pelas suas mãos, gravações de interrogações da época. É incrível essa capacidade de alguns museus de te levarem para uma vida que você nunca chegou nem perto de viver.

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[item title=”Sobre o DDR Museum”]

Museu interativo sobre a vida na Alemanha Oriental.

Funcionamento: todos os dias da semana, 10h-20h (sábado fecha 22h).
Endereço: Karl-Liebknecht-Str. 1, bem na borda do rio Spree, na frente da catedral.
Preço: 7 euros a inteira (5 comprando online) e 4 a meia

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