Sagrada Família e o problema em ser perfeccionista

Vou contar um segredo para vocês: muitos dos posts que eu começo a escrever não chegam à luz da internet. Projetos, então, tenho milhões deles engavetados. Esse post, por exemplo, era para ter sido criado quase um mês atrás, logo que fomos à Sagrada Família, mas, não! Fiquei esperando aquele momento certo em que conseguiria pegar, escolher e editar todas as fotos como elas mereciam ser editadas. Uma tarefa impossível, já que nenhuma foto do mundo – muito menos uma minha – consegue mostrar exatamente como é a Sagrada Família.

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Essa minha tendência de começar as coisas e nunca terminar não é de hoje. Desde quando me entendo por gente lembro de ter problemas com isso. Sempre fui definido como uma pessoa perfeccionista. Meus pais, meus amigos, meus professores, todos eles sempre falaram “você é perfeccionista demais”. Eu achava isso legal e tal, da mesma forma que achava bacana entrar na madrugada trabalhando, mas sempre sofri muito com esse meu perfeccionismo. E cada vez mais essa vontade de fazer tudo o melhor possível, nos mínimos detalhes, tem atrapalhado minha vida.

Afinal, para mim, meu trabalho – e o dos outros também, pra falar a verdade –, nunca está perfeito. Sempre existe algo que poderia estar melhor, algo que poderia ser mudado. Nem que seja criar aquele detalhe que é essencial, indispensável, mas que ninguém no mundo vai perceber, muito menos sentir falta, até que eu mostre todo orgulhoso “olha, e tem isso aqui!”. “Ah, verdade, legal.” Isso, claro, acaba atrasando todos os meus prazos, me deixando mal em frente a cliente e acabando com a minha produtividade, bem como minha sanidade ou a das pessoas a minha volta. Não é algo que você se orgulhe como um dos seus defeitos na entrevista de emprego.

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Quando eu entrei na Sagrada Família uma coisa ficou bem clara para mim: aquele não é um lugar apenas megalomaníaco. Megalomaníaca é a Muralha da China, a pirâmide de Gizé, os prédios de Dubai. A Sagrada Família é, acima de tudo, perfeccionista.

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Cada mínimo detalhe foi pensado e planejado. Nada está lá simplesmente por estar. Cada cantinho tem um significado, cada número, cada cor, tudo conta uma história. Tudo foi reinventado da forma de Antoni Gaudí, o arquiteto catalão que criou esse templo perfeccionista modernista.

Demais! Legal! Lindo! Mas, ao contrário de quase todo ponto turístico do mundo, a Sagrada Família ainda não está pronta. Você entra e, enquanto contempla toda a maravilha que é essa construção incrível, ouve um quebra-quebra, uma martelada sem fim e te lembra que, mesmo depois de 113 anos de obras, ela ainda está longe de ser terminada. CENTO E TREZE ANOS.

É claro que Gaudí não era louco suficiente de achar que ia conseguir ver ela terminada, né? “O meu Cliente não tem pressa”, ele dizia se referindo a Deus. (E bom, tá aí uma coisa que não posso aplicar para nos nossos clientes ~menos gloriosos~, né?) Na verdade, ele até planejava que a construção fosse durar centenas de anos, o que foi acelerado pela nossa tecnologia de hoje, mas isso me fez pensar: se meu cliente me desse prazo infinito, quanto tempo eu iria demorar para entregar meu trabalho? É meio que esse o problema com projetos pessoais, né? É o mais próximo de ter uma divindade (em termos de prazo) como cliente.

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Vai ter gente que vai dizer “Ah, mas vai valer a pena! A Sagrada Família vai ficar incrível!”. E vai mesmo. Já está, inclusive. Só que – e é óbvio que eu não tô me comparando ao Gaudí –, de um perfeccionista para outro: vale todo esse esforço?

Gaudí começou na obra em 1883, um ano depois do seu início. Como bom perfeccionista, resolveu jogar tudo fora, mudar tudo e começar do zero. Como um bom perfeccionista, dedicou grande parte do seu tempo (e exclusivamente os onze últimos anos da sua vida) a criar sua obra. Como um bom perfeccionista, morreu, em 1926, sem nem um quinto da obra completa.  “Mas o teu trabalho sempre vale essa espera” é uma frase que eu ouço frequentemente, mas vale para quem, né? Não ver um projeto desses pronto durante sua vida, nem na dos seus filhos e talvez nem netos? Não ver o teu projeto sair da gaveta vale teu perfeccionismo?

Pra piorar, muito do que ele planejou foi destruído durante a Guerra Civil Espanhola, e hoje eles fazem uma recriação a partir de cada pedacinho que foi encontrado do que ele queria dizer. Se eu abrir a janela de casa agora, acho que consigo ouvir ele se contorcendo no túmulo ao ver a galera fazendo qualquer coisa um milímetro diferente do que ele pensou. Afinal, um bom perfeccionista não é muito fã de delegar tarefas.

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No fim, eu poderia falar em como é incrível o teto, com colunas que imitam troncos de árvores, como é de chorar quando entram as luzes coloridas pelos mosaicos, pintando toda a igreja de cores diferentes ao longo do dia. Poderia te falar como as duas fachadas construídas (a principal ainda não está pronta) são tão diferentes entre si e tão fantásticas. Como tudo é grandioso e lindo. Como os funcionários são bem simpáticos e o audio guide vale bem a pena. Poderia te falar também que a subida na torre é bem rapidinha, mas que é demais ver Barcelona lá do alto. Poderia também avisar para comprar ingressos pela internet para não pegar fila. Poderia ter colocado mais fotos (tiramos mais de 800!) ou editado elas melhor. Poderia ter criado um mapa da Sagrada Família com detalhes que ninguém vê, mostrar como está previsto ficar a obra finalizada, em 2026 (2028?). No fim, eu poderia deixar esse post ainda melhor, mas hoje não. Hoje eu vou lutar pelo menos um pouco contra essa minha mania e subir esse post a hora que for. Porque esse é o problema com o perfeccionismo: ele te impossibilita, te paralisa, fazendo você acreditar que é pro melhor e, quando você vê, 113 anos se passaram e o teu projeto ainda não está pronto.

Agora, vamos lá, pelo menos o Gaudí ainda tinha a desculpa de criar um negócios desses, que virou símbolo de Barcelona, um dos pontos turísticos mais visitados do mundo e planeja ser a mais alta igreja da história. Mas qual é a nossa desculpa para deixar o perfeccionismo consumir nossa vida, nossos prazos, nossos trabalhos e nossa sanidade?

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